Saturação
Havia um homem que remava num barco furado. Não remava para chegar a lugar algum — remava apenas para não afundar. Cada golpe de remo era um adiamento do inevitável.
Numa noite sem estrelas, soltou os remos. O barco virou, a água subiu, mas quando parou de lutar contra ela, descobriu que flutuava.
Quando abriu os olhos, estava numa ilha feita da mesma substância que o vazio no peito. Um vazio que já não cabia dentro — havia vazado, tomado tudo ao redor, virado mundo. No centro, a marca do que faltava. Deitou-se nela e, pela primeira vez, coube inteiro em algum lugar.
Tomado do cansaço de si, sonhou que vivia um dia sem dor. Mas o mundo, em sua pura substância, esvaziou o mar para dentro do peito e o fez acordar.
Não há abrigo de si.
EDU LAZARO


