A falha perfeita. Do estímulo encoberto à revelação subjetiva
Às mentiras, o silêncio. Era uma existência cercada por paredes impecáveis. A
vida se movia em cômodos polidos, onde cada objeto tinha seu lugar e a luz
jamais tremia. O chão era liso, a temperatura, constante. Era uma vida sem
atritos, sem ruídos, construída sobre a base sólida da omissão. O silêncio não
era a ausência de som, mas a presença de uma perfeição imposta, uma verdade não
dita, um conforto que proibia a falha. Em um canto, no mais discreto dos
ângulos, uma imperfeição começou a se manifestar. Não era uma rachadura, mas uma
sombra, um som tão baixo que parecia mais uma ideia do que um ruído. A
existência tentava ignorá-lo, polir a sombra, abafar o som. O silêncio, antes um
refúgio, tornou-se uma couraça. Cada tentativa de esconder a falha a tornava
mais profunda, mais presente. O que se evitava dizer, agora ecoava no coração
daquela casa perfeita. Cansado de lutar contra o que não podia ser calado, o ser
parou. Não tentou mais consertar. Pela primeira vez, tocou a sombra, ouviu o
som. Aquele pequeno defeito era a única coisa real em todo o mundo impecável. E,
ao aceitá-lo, a casa perfeita tremeu. Os muros de silêncio se desfizeram em pó,
a luz constante explodiu em uma chuva de estilhaços. A existência, que se movia
com a graça de uma máquina, sentiu o chão ceder sob os pés. No caos que se
seguiu, no meio dos escombros de uma vida que nunca foi sua, o ser encontrou
algo que o silêncio jamais pôde dar: uma voz. Não era uma voz harmoniosa, mas um
som único, com todas as suas falhas, seus desajustes e suas verdades. Não havia
mais paredes a serem polidas, apenas o vasto e incerto território da própria
consciência. Naquele primeiro grito no silêncio, o ser finalmente veio a ser.
EDU LAZARO